FOTOGRAFIAS

AS FOTOS DOS EVENTOS PODERÃO SER APRECIADAS NO FACEBOOCK DA REVISTA.
FACEBOOK: CULTURAE.CIDADANIA.1

UMA REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL E CIENTÍFICA SEM FINS LUCRATIVOS
(TODAS AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NAS PUBLICAÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DE QUEM NOS ENVIA GENTILMENTE PARA DIVULGAÇÃO).

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Artigos: Ser Cidadão


Foi de um discurso do dramaturgo Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais, em outubro de 1774, que surgiu o sentido moderno da palavra cidadão -- que ganharia maior ressonância nos primeiros meses da revolução francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Em sentido etimológico, cidadania refere-se à condição dos que residem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condição de um indivíduo como membro de um estado, como portador de direitos e obrigações. A associação entre os dois significados deve-se a uma transformação fundamental no mundo moderno: a formação dos estados centralizados, impondo jurisdição uniforme sobre um território não limitado aos burgos medievais.
Na Europa, até o início dos tempos modernos, o reconhecimento de direitos civis e sua consagração em documentos escritos (constituições) eram limitados aos burgos ou cidades. A individualização desses direitos a rigor não existe até o surgimento da teoria dos direitos naturais do indivíduo e do contrato social, bases filosóficas do antigo liberalismo. Nesse sentido, os privilégios e imunidades dos burgos medievais não diferem, quanto à forma, dos direitos e obrigações das corporações e outros agrupamentos, decorrentes de sua posição ou função na hierarquia social e na divisão social do trabalho. São direitos atribuídos a uma entidade coletiva, e ao indivíduo apenas em decorrência de sua participação em um desses "corpos" sociais.
O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre, portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em lei. É na cidade que se formam as forças sociais mais diretamente interessadas na individualização e na codificação desses direitos: a burguesia e a moderna economia capitalista.
Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval -- pela interligação de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas regulares de comércio, entre regiões da Europa e entre os continentes --, a dinâmica da economia capitalista favorece a imposição de uma jurisdição uniforme em determinados territórios, cuja extensão e perfil derivam tanto da interdependência interna enquanto "mercado", como dos fatores culturais, lingüísticos, políticos e militares que favorecem a unificação.
Em seus primórdios, a constituição do estado moderno e da economia comercial capitalista é uma grande força libertária. Em primeiro lugar, pela dilatação de horizontes, pela emancipação dos indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente da transmitida como herança familiar; libertária, também, ante as tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade geográfica e social; mas libertária, sobretudo, pela imposição de uma jurisdição uniforme, que superava o arbítrio dos senhores feudais e reconhecia a todos os mesmos direitos e obrigações, independentemente de seu trabalho ou condição socioeconômica.
Além do sentido sociológico, a cidadania tem um sentido político, que expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas grandes revoluções (inglesa, francesa e americana), e posteriormente reconhecida no mundo inteiro.
Nessa perspectiva, a passagem do âmbito limitado - dos burgos - ao significado amplo da cidadania nacional é a própria história da formação e unificação dos estados modernos, capazes de exercer efetivo controle sobre seus respectivos territórios e de garantir os mesmos direitos a todos os seus habitantes. É fundamentalmente uma garantia negativa: contra as limitações convencionais ao comportamento individual e contra o poder arbitrário, público ou privado.
Rumo à universalização
A cidadania é originalmente um direito burguês. Contudo, quando reivindicada como soma de direitos fundamentais do indivíduo, estes se tornam neutros quanto a seus beneficiários presentes e potenciais.
Vista como processo histórico gradual, a extensão da cidadania é (1) a transformação da estrutura social pré-moderna no quadro da economia capitalista e do estado nacional moderno e (2) o reconhecimento e a universalização de toda uma série de novos direitos que, em parte, são indispensáveis ao funcionamento da economia capitalista moderna e, em parte, são resultado concreto do conflito político dentro de cada país. Portanto, trata-se de um conceito ao mesmo tempo jurídico, sociológico e político: descreve a consagração formal de certos direitos, o processo político de sua obtenção e a criação das condições socioeconômicas que lhe dão efetividade.
Cidadania e democracia
A cidadania tem dois aspectos: (1) o institucional, porque envolve o reconhecimento explícito e a garantia de certos direitos fundamentais, embora sua institucionalização nunca seja constante e irredutível; (2) e o processual, porque as garantias civis e políticas, bem como o conteúdo substantivo, social e econômico, não podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas apenas como um processo em constante reafirmação, com limiares abaixo dos quais não há democracia. Democrático, no sentido liberal, é o país que, além das garantias jurídicas e políticas fundamentais, institucionaliza amplamente a participação política.

A necessidade de certas prerrogativas que limitem o poder político em suas relações com a pessoa humana são, muito provavelmente, criação do cristianismo, que definiu o primeiro terreno interditado ao estado: o espiritual.
No campo do direito positivo, foi a revolução francesa que incorporou o sistema dos direitos humanos ao direito constitucional moderno. A teoria do direito constitucional dividiu, de início, os direitos humanos em naturais e civis, considerando que a liberdade natural, mais ampla, evolui para o conceito de liberdade civil, mais limitada, visto que seus limites coincidem com os da liberdade dos outros homens.
A primeira concretização da teoria jurídica dos direitos humanos foi o Bill of Rights, de 1689 -- a declaração de direitos inglesa. Só depois da independência dos Estados Unidos, porém, as declarações de direitos, inseridas nas constituições escritas, adquirem o perfil de relação de direitos oponíveis ao estado, e dos quais os indivíduos são titulares diretos. Dada sua importância, o direito constitucional clássico dividia as leis fundamentais em duas partes: uma estabelecia os poderes e seu funcionamento; outra, os direitos e garantias individuais.
No Brasil, é clássica a definição dada por Rui Barbosa às garantias, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos são aspectos, manifestações da personalidade humana em sua existência subjetiva, ou nas suas situações de relações com a sociedade, ou os indivíduos que a compõem. As garantias constitucionais stricto sensu são as solenidades tutelares de que a lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder." É o caso do direito à liberdade pessoal, cuja garantia é o recurso do habeas corpus.

Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual não era compatível com a inteligência crítica e especulativa, ideal do estado. Daí o reconhecimento da escravidão, que restringia consideravelmente os ideais teóricos da democracia direta. A revolução social do cristianismo baseou-se principalmente na dignificação do trabalho manual. Por conseguinte, durante a Idade Média, o trabalho era considerado um dever social e mesmo religioso do indivíduo.
Com o declínio das corporações de ofício, que controlavam o trabalho medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de características diferentes, entre as quais a relação salarial entre operário e patrão, estão dadas as condições propícias ao capitalismo mercantilista da época do Renascimento e da Reforma.
Mais tarde, a burguesia, que dominara a revolução francesa, viu-se diante dos problemas sociais decorrentes da revolução industrial. Assim, tornou-se indispensável a intervenção do estado entre as partes desiguais em confronto no campo do trabalho, para regular o mercado livre em que o trabalhador era cruelmente explorado.
Atualmente não se pode conceber a proteção jurídica dos direitos individuais sem o reconhecimento e a proteção dos direitos sociais do homem, que são oponíveis não ao estado, mas ao capital, e têm na ação do estado sua garantia.
Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento, definição e garantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, a assembléia geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que só terá força obrigatória quando for uma convenção firmada por todos os países membros da ONU.
Os regimes de governo são justos na medida em que as liberdades são defendidas, mesmo em épocas de crise. Os princípios gerais de direito são sempre os mesmos: processo legal, ausência de crueldade, respeito à dignidade humana. As formas de execução desses princípios também não variam. Resumem-se em leis anteriores, em garantias eficazes de defesa e, como sempre, acima de tudo, em justiça independente e imparcial.

No Brasil, a instabilidade do poder político e as lutas oligárquicas durante a primeira república fizeram do estado de sítio e da intervenção federal os centros de convergência dos debates jurídicos e das ações políticas. Também o Supremo Tribunal Federal defrontou-se freqüentemente com o problema. No entanto os fatos mais de uma vez atropelaram o direito ao longo da história do Brasil.