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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Artigos: Regulação de dividendos: uma intromissão perigosa

A Aneel recentemente ampliou a abrangência da regulação para incluir restrições sobre a distribuição de dividendos e pagamento de juros sobre o capital próprio. Embora a medida tenha como objetivo preservar a sustentabilidade econômico-financeira de longo prazo da concessão e a qualidade do serviço ao consumidor, a intromissão da agência reguladora na gestão financeira das concessionárias pode ampliar o risco de investimentos no setor, aumentando o custo de captação de recursos e, consequentemente, elevando o custo do serviço.
 
A nova investida da Aneel surgiu no contexto da elaboração da minuta de aditivos contratuais para a prorrogação das concessões de distribuidoras com vencimento até 2017. O governo havia decidido permitir a prorrogação de todas as concessões de distribuição. Havia, no entanto, concessionárias de distribuição que eram notoriamente conhecidas, há muitos anos, por sua má gestão, tanto no que tange à qualidade do serviço quanto à higidez econômico-financeira da concessionária.
 
A solução adotada pelo governo - explicitada no Decreto 8.461 de 2 de junho de 2015 - foi estabelecer um período probatório de cinco anos durante o qual as concessionárias teriam que atingir determinados compromissos de melhoria da robustez financeira e de qualidade do serviço. As concessionárias que não atingissem as exigências de melhoria do serviço especificadas no contrato nos primeiros cinco anos teriam suas concessões extintas. Coube à Aneel definir os compromissos mínimos a serem atingidos e as cláusulas contratuais necessárias para assegurar seus cumprimentos.
 
A Aneel estabeleceu limites mínimos anuais para uma série de indicadores de sustentabilidade econômico-financeira (geração de caixa e nível de endividamento) e indicadores de qualidade (frequência e duração de interrupções no fornecimento). Buscando assegurar o cumprimento desses compromissos, a Aneel estabeleceria metas anuais, explicitadas no contrato de concessão, a serem atingidas durante o período probatório. Em caso de violações reiteradas das metas anuais, o pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio seria limitado ao valor mínimo legal até que os indicadores voltassem aos patamares mínimos estipulados pela agência reguladora.
 
À primeira vista a restrição do pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio parece ser uma forma usada pelo regulador para induzir as concessionárias a reinvestir os seus recursos no aprimoramento da concessão (ou, ao menos, a não retirar recursos do seu caixa) quando o seu desempenho cai abaixo dos níveis considerados adequados pela Aneel.
 
No entanto, e apesar da motivação acima, o regulador também precisa considerar que essa ingerência sobre a gestão financeira da concessionária pode repercutir de forma muito negativa nos mercados de capitais, ocasionando um efeito contrário ao desejado.
 
A política de distribuição de dividendos e de pagamento de juros sobre o capital próprio é central na gestão financeira das corporações pois tal política permite atingir quatro objetivos: (1) uma sintonia fina da estrutura de capital; (2) o monitoramento e disciplinamento dos gestores da empresa; (3) o gerenciamento das expectativas de mercado quanto às perspectivas futuras da empresa; e (4) o melhor aproveitamento de benefícios tributários.
 
Um dos principais desafios na gestão financeira das corporações é a otimização da estrutura de capital, sendo que a política de pagamento aos acionistas - seja por meio da distribuição de dividendos, seja por pagamento de juros sobre o capital próprio - desempenha um papel importante. A captação de recursos de terceiros (empréstimos) tipicamente é mais barata, mas é mais engessada, tendo que atender a rígidas condicionantes estabelecidas em contrato. Já a captação de recursos próprios (ações) proporciona ampla flexibilidade, pois o retorno é condicionado aos resultados efetivamente incorridos pela empresa.
 
Vale lembrar que a estrutura ótima de capital depende de uma série de fatores que estão em constante mutação. Devido aos custos de transação envolvidos na captação de recursos no mercado de capitais, as empresas concentram suas captações em poucas grandes operações, o que restringe o ajuste da estrutura de capital a cada momento. Assim, a política de pagamento aos acionistas proporciona um instrumento para realizar o ajuste fino na estrutura de capital nos períodos entre as operações no mercado de capitais.
 
A política de pagamentos aos acionistas também é utilizada para minimizar o que economistas chamam de "custo de agenciamento" (agency costs), isto é, o custo em que se incorre para monitorar e disciplinar os gestores da empresa para que os mesmos atuem de forma eficiente. Os acionistas conseguem manter "rédeas curtas" sobre os gestores da empresa ao pré-estabelecer o pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio com base nas projeções e metas estabelecidas para o próximo período de exercício. Portanto, os pagamentos aos acionistas também têm o efeito de reduzir o caixa disponível da empresa, forçando seus gestores a se submeter ao escrutínio do mercado de capitais para a captação de recursos necessários ao financiamento de novos projetos.
 
Outra função da política de pagamentos aos acionistas é sinalizar ao mercado as perspectivas de rentabilidade futura da empresa. Dessa forma a empresa confere maior transparência e previsibilidade aos investidores, melhorando suas condições de captação de recursos no mercado de capitais.
 
Finalmente, a política de pagamentos aos acionistas é pautada também pelo planejamento tributário. A tributação diferenciada sobre as diferentes formas de pagamento ao acionista é outro fator considerado na gestão financeira da empresa que pode ser prejudicado com a interferência do regulador.
 
A política de distribuição de dividendos e de pagamento de juros sobre o capital próprio é, portanto, um instrumento de gestão financeira das empresas que envolve um amplo e complexo conjunto de fatores. A interferência do regulador nesse processo sem levar em consideração os quatro objetivos discutidos acima pode ocasionar efeitos colaterais indesejados para a concessionária e seus clientes no longo prazo.
 
Estudiosos de finanças e governança corporativa avaliam que atribuir aos acionistas a prerrogativa de definir a política de distribuição de dividendos e o pagamento de juros sobre capital próprio é a forma mais apropriada de alinhar os interesses dos stakeholders da empresa. Como a estrutura de capital é definida ex ante com base nas expectativas futuras, faz sentido que os acionistas, os detentores dos "direitos residuais" dos rendimentos da empresa, detenham o poder de promover ajustes ex post por meio da distribuição de dividendos e do pagamento de juros sobre o capital próprio.
 
O problema é agravado pelo fato de que a restrição sobre os pagamentos aos acionistas não ficou restrita ao período probatório: as cláusulas contratuais elaboradas pela Aneel permitem que o regulador interfira no pagamento aos acionistas ao longo de todo o período de concessão. Além disso, introduz-se margem para arbítrios imprevisíveis por parte do regulador: as metas para os 25 anos subsequentes - diferentemente da situação da prorrogação, em que as metas de qualidade a serem atingidas ao longo do período probatório eram plenamente conhecidas - só serão definidas posteriormente pela Aneel.
 
Um dos aspectos mais preocupantes, no entanto, é que a restrição sobre o pagamento de acionistas pode ser ocasionada por fatores não gerenciáveis pelas concessionárias de distribuição. A Aneel tem cogitado utilizar indicadores de continuidade globais que incluem as interrupções no suprimento de energia advindo da Rede Básica de transmissão como meta de qualidade. Isso significa que a concessionária de distribuição poderia vir a ter seus dividendos restringidos por falhas de outras empresas. O mesmo ocorre com as cláusulas de sustentabilidade econômico-financeira. A maior parte do fluxo de caixa das distribuidoras advém de receitas e despesas não gerenciáveis pelas concessionárias de distribuição. São recursos recebidos e pagos aos outros elos da cadeia produtiva ou ao governo. Quando consideramos que nos últimos anos os desequilíbrios entre essas receitas e despesas têm sido a maior fonte de fragilidade econômico-financeira das concessionárias de distribuição, a restrição sobre os pagamentos aos acionistas pode vir a ser uma fonte de grande incerteza.
 
Seria melhor a Aneel abrir mão desse artifício ou utilizá-lo apenas em casos extremos em que há clara evidência de abuso ou negligência dos gestores. Embora a intervenção na gestão das empresas reguladas seja tentadora, a experiência revela que, no longo prazo, o melhor caminho para atingir os objetivos de eficiência e sustentabilidade econômico-financeira é a aderência disciplinada aos princípios da regulação por incentivos.
 
Claudio J. D. Sales e Richard Lee Hochstetler são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)