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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pesquisa analisa exposição doméstica à agrotóxicos no Rio de Janeiro


Os agrotóxicos são substâncias com elevado nível de toxidade e representam um importante problema para a saúde humana, principalmente, devido ao uso descontrolado tanto no meio rural, quanto no meio urbano. Nas zonas rurais os agricultores fazem uso dessas substâncias sem cuidados e critérios de racionalização da mistura e quantidades utilizadas. No meio urbano o uso de agrotóxicos também acompanha o mesmo panorama, visto que são utilizados no uso doméstico, para o combate à insetos; por empresas especializadas no serviço, as chamadas dedetizadoras; e até mesmo em campanhas de saúde pública. A consequência da falta de seletividades dessas substâncias pelo homem traz grandes prejuízos tanto para os organismos que são alvos, quanto para quem sofre a ação tóxica desses compostos.

Pensando em estabelecer valores de referência para a população carioca exposta ambientalmente a essas substâncias, pesquisadores do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Cesteh/ENSP/Fiocruz) estão desenvolvendo o projeto ‘Avaliação da exposição a agrotóxicos na população da cidade do Rio de Janeiro: construção de valores de referência como contribuição para a vigilância em saúde no país’, que pretende - por meio de análises laboratoriais da urina da população exposta e questionário - criar um valor de referência para metabólitos de agrotóxicos das classes dos piretróides e organofosforados.



O destaque da avaliação para as duas classes de agrotóxicos denominadas piretróides e organofosforados, é devido à sua ampla utilização nas áreas urbanas e rurais e pela carência de estudos que caracterizem o padrão de exposição ambiental da população brasileira a essas substâncias. A perspectiva da pesquisa é suprir uma carência na legislação do país, que não possui valores de referência para humanos para diversas classes de agrotóxicos. Apenas água e alimentos possuem regulação. Em muitos países do mundo estudos sugerem a necessidade de monitoramento da população para entender o perfil da exposição e seus riscos associados. Delinear o perfil da exposição da população aos agrotóxicos permitirá conhecer os níveis aos quais a população do Estado do Rio de Janeiro está exposta, além de possibilitar concluir valores de referência adequados à realidade do país.

Leia abaixo a entrevista concedida pela pesquisadora Ana Cristina Simões Rosa, e saiba mais sobre a pesquisa:

Informe ENSP: O principal objetivo da pesquisa é estabelecer um valor de referência para exposição ambiental da população carioca a duas classes de agrotóxicos. Qual a importância de se estabelecer este valor de referência?

Ana Cristina Simões Rosa: Atualmente no Brasil não dispomos de valores de referência de agrotóxicos para humanos. Temos para alimentos e água, que seriam as vias mais importantes de exposição, mas não temos valores basais de exposição ambiental de alguma população. Esse estudo possibilita compreendermos quais são esses níveis, e se têm correlação com o uso de inseticidas domésticos, ou se a exposição é proveniente apenas da alimentação. As duas classes de agrotóxicos investigadas neste estudo são as mais utilizadas em inseticidas domésticos, que são os piretróides, vendidos nos mercados, e os organofosforados, muito utilizados por empresas de desinsetização.

Informe ENSP: Como a criação deste valor de referência poder contribuir nos casos em que há exposição ocupacional?

Ana Cristina: Após serem determinados os valores de referência para cada metabólito - produto da transformação do agrotóxico no corpo humano, que é excretado na urina - , será possível conhecer como está a exposição ambiental (ou basal) da população, e então poderão ser feitas avaliações em populações expostas ocupacionalmente (agricultores e profissionais de empresas de controle de vetores, públicas ou privadas). Será possível afirmar o quanto está aumentada a exposição deste profissional em relação ao restante da população.

Informe ENSP: Como a pesquisa pretende ser desenvolvida?

Ana Cristina: A pesquisa será feita através de amostragem por conglomerados, de base populacional, no município do Rio de Janeiro. Os endereços serão sorteados no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma amostra de urina e resposta a um questionário serão solicitados a um morador do endereço sorteado. A seleção será então realizada considerando a divisão geográfica do município do Rio de Janeiro por Regiões Administrativas, descritas pelo IBGE, sendo estas 33 no município do Rio de Janeiro.

Assim, em cada região administrativa serão sorteados os setores censitários e nestes, os domicílios de onde será recrutado um voluntário que atenda aos requisitos da pesquisa. Os requisitos são: não trabalhar na agricultura, nem em atividade que envolva o uso de insumos agrícolas; ser morador de área urbana; e ter idade maior que 18 anos. Para a população de 6.320.446 de habitantes do município do Rio de Janeiro, estimada no censo de 2010, distribuídos em 33 regiões administrativas, foi definida a amostra de 462 indivíduos.

O cálculo do número de participantes foi estimado, levando-se em conta que os agrotóxicos piretróides são avaliados a partir de diferentes metabólitos e, para alguns deles, conforme descrito na literatura, 100% da população estudada apresenta algum nível, para outros, menor proporção. Sendo assim, foi considerada uma probabilidade mínima de 50% para a detecção de algum metabólito nos indivíduos participantes.

Depois da fase de coleta das amostras, as análises serão feitas no Laboratório de Toxicologia do Cesteh, no Setor de Agrotóxicos, através de método analítico validado de acordo com as recomendações do Inmetro. Os resultados serão entregues aos voluntários da pesquisa nos seus endereços, previamente visitados. Está prevista uma atividade de esclarecimento e orientação sobre o uso de inseticidas, através de material impresso.

Informe ENSP: Você poderia falar um pouco mais sobre as duas classes de agrotóxicos que serão analisadas, exemplificando de que maneira elas estão presentes na vida cotidiana?

Ana Cristina: Os agrotóxicos piretróides estão presentes em vários produtos que normalmente utilizamos em nossas residências, como inseticidas em spray, tomada, espiral, shampoo e loção para piolho, produtos para controle de insetos em jardinagem amadora, além do resíduo de agrotóxicos que pode estar contido nos alimentos consumidos. Essa classe dos piretróides está subdividida em duas. A classe I é nociva ao sistema nervoso periférico, provocando quadro de agressividade, tremores, espasmos convulsivos, quadro conhecido como “SíndromeT”. A classe II é nociva ao sistema nervoso central, provocando salivação excessiva, movimentos irregulares dos membros e sensibilidade aumentada aos estímulos, quadro conhecido como “Síndrome CS”.

Já os organofosforados podem estar presentes em produtos para controle de insetos em jardinagem amadora, controle de insetos quando realizado por empresas de desinsetização, e ainda através de algum resíduo de agrotóxico que pode estar contido nos alimentos consumidos. Os organofosforados possuem toxicidade maior que os piretróides. De todos os agrotóxicos, essa classe é a única que possui alguma regulação para exposição humana ocupacional através da avaliação da enzima acetilcolinesterase, que é inibida na presença desses compostos. Um dos sistemas de transmissão nervosa ocorre  através da ação de neurotransmissores.

Para que um novo impulso possa ser propagado, as colinesterases precisam degradar o neurotransmissor da fenda sináptica. Na presença de organofosforados, a enzima sofre alteração em sua estrutura e a acetilcolina é acumulada. Os princípios sítios de ação são no sistema nervoso central, provocando distúrbios no sono, ansiedade, agitação, tremores, depressão respiratória, dentre outros, no sistema nervoso autônomo, provocando efeitos nos aparelhos digestivo, respiratório, circulatório, ocular, urinário, e no sistema somático, provocando contrações involuntárias de músculos e enfraquecimento muscular generalizado.

Informe ENSP: De que maneira esse projeto poderá contribuir efetivamente para a melhoria da saúde da população?

Ana Cristina: O objetivo principal é que esta pesquisa possa orientar a regulação destas classes de agrotóxicos para a exposição de humanos. O Brasil, infelizmente, continua sendo o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e isso não se restringe à agricultura. Dados recentes de pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins mostram que no período de 2009 a 2013 houve um aumento de 12,9% no volume de unidades vendidas de inseticidas aerossol, associando esse aumento ao olhar de prevenção à dengue pela população de forma geral. Associa-se costumeiramente o controle de vetores ao uso indiscriminado de agrotóxicos para este fim. Além disso, a propaganda que é feita desses produtos passa a ideia de que são inócuos aos seres humanos, atuando somente nos insetos, o que não é verdade. Qualquer substância utilizada para o controle de insetos ou outros animais deve ser utilizada com parcimônia, com orientação, afim de não provocar efeitos adversos na saúde das pessoas.

Informe ENSP: Com relação ao Comitê de Ética em Pesquisa, qual a situação do projeto perante ao CEP/ENSP?

Ana Cristina: O projeto tem aprovação no Comitê de Ética da Ensp sob o número 942318, e atende todas as exigências quanto ao escopo da pesquisa, desenvolvimento, termo de consentimento e estrutura do questionário, coleta e armazenamento das amostras de urina e entrega dos resultados individuais dos voluntários. Ele é formado por uma equipe multidisciplinar composta por oito profissionais, sendo eles o coordenador Sérgio Rabello e os pesquisadores Ana Cristina Simões Rosa, Paula de Novaes Sarcinelli, Jefferson José Oliveira da Silva, Tatyane Pereira dos Santos, Eline Simões Gonçalves, Amanda Isabel Soares Ferreira Ginuíno e José Carlos Queiroz Areas, e será desenvolvido no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública (Inova ENSP).