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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ceensp discute distorções do sistema de patentes brasileiro

Pode ser acaso, mas quando se trata de palavras, nunca se sabe. O fato é que no Aurélio a primeira acepção da palavra patente é a de um adjetivo para algo aberto, franqueado, acessível. Patente como substantivo, significando o título oficial de uma concessão ou privilégio, aparece apenas em quarto lugar. No entanto, quando falamos de Lei de Patentes no tocante ao direito à saúde, o quadro se inverte. Patente passa a significar, acima de tudo, fechamento, exclusividade, privilégio ou até mesmo a morte, como mostra este cartaz em inglês, exibido num protesto na Índia. A necessidade de revisão da Lei de Patentes, um debate mais do que atual e que a cada dia ganha novos contornos, foi tema do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconvellos da ENSP, no dia 21 de outubro. Recém-chegados de uma reunião sobre o assunto no Congresso Nacional, estiveram na mesa Jorge Bermudez, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz e Felipe de Carvalho, do Grupo de Trabalho sobre propriedade intelectual da Rede Brasileira para a Integração dos Povos. Também participaram da discussão Sara Helena Pereira e Silva, das Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais e Reinaldo Guimarães, da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina). O Ceensp foi coordenado pela pesquisadora da Escola Gabriela Costa Chaves.
 


Ao abrir o evento, Gabriela fez um breve histórico da discussão. A Lei de Patentes brasileira foi criada em 1996, um ano depois do surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os países que entraram para a OMC assinaram um acordo para a regulação de patentes. Era previsto um período de transição de dez anos para a indústria farmacêutica e cinco para as demais. Porém, segundo pesquisadores e integrantes de organizações da sociedade civil que discutem o tema, esse interregno não foi bem aproveitado no Brasil, no sentido de proteger e incentivar a indústria nacional e ampliar o acesso aos medicamentos. “É uma discussão que ganhou, há poucos dias, novos contornos com a assinatura da Parceria Trans-Pacífica, acordo comercial entre países que somam 40 % do PIB mundial”, lembrou Gabriela.

Jorge Bermudez começou sua fala com um breve relato sobre a discussão da véspera, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos deputados. “Todos os deputados estavam de acordo que a área da saúde é específica e que precisa de um tratamento diferente com relação a questão das patentes, o que é bom, pois permite que a discussão continue. Mas o que precisa ser lembrado, sempre, num debate como esse, é que nós não somos um país pirata. Nós cumprimos, sim, nossos acordos. A OMC, da qual fazemos parte, declara que deve haver uma primazia da saúde sobre as questões comerciais. Além disso, estamos amparados no artigo 196 da nossa Constituição, que preconiza como dever do Estado a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”.

Para ilustrar as distorções que surgem quando a saúde é coadjuvante e as relações comercias o personagem principal, a compra de uma patente de uma empresas americana por outra fez o preço de um remédio subir de US$ 13,00 para US$ 750,00 dólares, segundo reportagem do New York Times.

“É uma discussão que não se restringe só ao Brasil. Para se ter uma ideia, 11 dos 12 novos produtos desenvolvidos contra o câncer, nos EUA, custam mais de U$ 100 mil por tratamento. E somente um desses medicamentos faz o paciente sobreviver mais de dois meses. É nesse modelo em que o nosso se espelha”, segundo Bermudez, a tal ponto que nossa lei foi redigida em inglês e só depois traduzida.

Sara Helena, das Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais, acredita que os estudantes devem ter ciência dessa discussão, já que trata-se de um assunto que diz respeito a eles de forma inequívoca. “Em toda notícia que se lê sobre uma inovação biológica, uma universidade pública é citada. Nós precisamos ampliar nossa capacidade inovadora, mas eu não quero que o Brasil desenvolva uma droga para Hepatite C e que depois ela seja patenteada e passe a custar R$ 80 mil. Não quero que o SUS tenha que pagar esse preço por um medicamento desenvolvido dentro de uma universidade brasileira”.

Presente em quase todas as discussões importantes do nosso tempo, a crise mundial deflagrada em 2008 também exerce suas forças sobre essa discussão, segundo Reinaldo Guimarães, da Abifina. “Estamos assistindo a uma radicalização patentária, uma radicalização comercial vergonhosa, com subornos, uso de medicamentos off-label. Há uma verticalização. As empresas grandes compram empresas de nicho. Os preços aumentam. Nós temos, no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, mas eles não cuidam nem de desenvolvimento nem de indústria. Só de comércio exterior”.

Felipe de Carvalho, do Grupo de Trabalho sobre propriedade intelectual da Rede Brasileira para a Integração dos Povos, lembrou dos argumentos geralmente usados pela indústria farmacêutica nas discussões de que participa. “Existe uma série de ameaças que são difundidas, uma delas é a de que ao modificar sua lei de patentes o Brasil vai perder investimentos”. E o expositor faz ainda uma análise do sistema de patentes contraposto ao conceito de sustentabilidade. “Apesar do discurso de quem defende o sistema de patentes dizer o contrário, na verdade a expansão desse sistema sufoca a inovação. A despeito de tantas patentes estarem sendo criadas, não há um correlato de avanços terapêuticos. Entre 2004 e 2011, dos 433 medicamentos autorizados a entrar no mercado brasileiro, apenas 14 possuíam vantagem terapêutica em relação aos medicamentos já disponíveis, ou seja, menos de 2 por ano”.

Como consequência mais grave de todas essas distorções analisadas pelos debatedores do Ceensp, a conclusão de que ‘patente mata’, como mostra em inglês um cartaz de um protesto na Índia, país que hoje se reconhece pelos avanços neste campo. Não se trata de figura de linguagem. Os 10 milhões de mortos do começo dos anos 2000, na África, em uma crise causada pelos preços dos antirretrovirais, dão mais do que prova real. É, portanto, uma luta de vida ou morte. Um assunto que tem que ser mantido em evidência, nas palavras de Jorge Bermudez. A Fiocruz, num parecer técnico, apoia um projeto de lei que pretende promover a revisão da Lei de Patentes.

A discussão é complexa e envolve temas que vão de comércio exterior a matérias da saúde pública, como bioética ou doenças raras. É preciso, em resumo, pensar no dono do pé, como tão precisamente lembrou Sara Helena Pereira e Silva, das Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais. “Temos que repensar o papel da universidade. Eu lembro do caso da pomada da Unicamp, para pé diabético. Foi muito alardeado que essa pomada seria vendida pela indústria farmacêutica. Mas eu me pergunto: será que a universidade, antes de patentear a pomada, pensou no dono do pé?”.